quinta-feira, 13 de maio de 2010

Continuando sobre o assunto Pessoas Invisivies eis um artigo de 2004 publicado na revista Época  em 2004:
Gente invisível

Psicólogo investiga a vida das pessoas que, ao vestir um uniforme, ganham invisibilidade – são tratadas como se não existissem

Em novembro de 1994, o então estudante do 2º ano de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Braga tornou-se invisível. 'Fiquei atordoado, não conseguia sentir o gosto da comida, perdi meu centro', lembra. Nem loucura nem ficção científica. Braga atingiu a invisibilidade ao vestir um uniforme de gari. Como parte de um estágio solicitado por uma das disciplinas que cursava, ele resolveu acompanhar, de duas a três vezes por semana, a rotina dos garis da Cidade Universitária - pegando no pesado junto com eles. Ao vestir calça, camisa e boné como seus colegas de 'varreção', esperava causar espanto, curiosidade ou até mesmo indignação em seus amigos, professores, companheiros de futebol e conhecidos da USP. No entanto, não conseguiu nem mesmo receber um bom-dia. 'Atravessei o andar térreo da Psicologia de ponta a ponta. Estava atento, buscava a expressão de surpresa em alguém. Mas nada acontecia', conta. 'Deixei de esperar perguntas intrigadas, mas ainda seria capaz de responder a algum cumprimento. Nada.' Os professores com quem havia conversado pela manhã passaram por ele e nem perceberam sua presença. Não é que tenha sido ignorado, menosprezado, rejeitado. Pior: nem foi visto. Era como não estar lá; como 'não ser'.

O mal-estar experimentado por Braga jamais o abandonou. Ele passou os nove anos seguintes trabalhando com os garis da USP e transformou em tese de mestrado o indigesto tema da 'invisibilidade pública' - o desaparecimento de um homem no meio de outros homens. Concluída em 2002, a tese agora vira livro lançado pela editora Globo.

Ironicamente, o psicólogo ganhou visibilidade falando da invisibilidade, que, segundo ele, está relacionada à divisão social do trabalho e afeta até mesmo quem não é totalmente excluído economicamente. Ela seria uma espécie de cegueira psicossocial, que elimina do campo de visão da maioria da população aqueles que são condenados a exercer uma atividade subalterna, desqualificada, desumanizante e degradante o dia inteiro, às vezes uma vida inteira. É uma situação diferente da contada pelo escritor americano Ralph Ellison, que nos anos 50 lançou seu romance O Homem Invisível. Ellison, negro, contava a história de um descendente de escravos que ao percorrer os Estados Unidos descobriu apenas que, por ser negro, era ignorado - segundo ele, algo muito pior que ser confrontado ou desprezado. Braga mostra que, independentemente do preconceito racial, o preconceito social também é tão incrível que leva a simplesmente apagar pessoas do campo de visão. 'Nem na Suécia uma criança é incentivada pelos pais a ser gari, faxineiro ou coveiro', provoca. 'Não tem a ver com salário, mas com a simbologia.'

Artigo na íntegra no link abaixo.
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT764232-1664,00.html

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